Manoel de Jesus
– ANTELÓQUIO
CONCEITUAL.
Citando Gonçalves (2019, p. 44): “O nosso
direito protege não só a posse correspondente ao direito de propriedade e a
outros direitos reais como também a posse como figura autônoma e independente
da existência de um título”; vez que, dentro do contexto jurídico brasileiro, o
Código Civil (2020, p. 1083) em vigor, Art. 1.196, traz a seguinte assertiva:
“Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não,
de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
Não se
confunde a propriedade e a posse, haja visto que a primeira exige o registro
para os bens imóveis e a tradição (entrega do bem com vontade e legitimidade
para transferi-lo) para os bens móveis. Para melhor compreensão da segunda,
faz-se mister reportarmo-nos ao Código Civil no que tange aos Direitos
Possessórios:
”Aquele que, não sendo proprietário
de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem
oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares,
tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua
moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”; Art. 1.239; e concomitantemente o “Art. 1.240: “Aquele que possuir, como sua,
área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural”; Código Civil, (2020, p. 1123/1124).
Conforme o
exposto acima a posse pode significar apenas ter a disposição da coisa, podendo
usa-la; dela gozar e da mesma dispor com fins socioeconômicos, utilizando o seu
usufruto para uma sobrevivência digna.
2.1– A POSSE NO DIREITO BRASILEIRO: PROTEÇÃO E NOMECLATURA.
“O Código de 2002 atendeu aos reclamos da doutrina e enunciou o
princípio de aquisição da posse de maneira lapidar, no art. 1.204, de acordo
com a singela noção de posse: Adquire-se a posse desde o momento em que se
torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes
à propriedade."
Fiel ao entendimento
proposto por este estudo de caso, ater-nos-emos aos casos mais comuns à lide do
Direito. No entendimento de Gagliano e Filho (2018, p.
1041), o legislador primou por sistematizar a posse no Brasil nas seguintes
vertentes classificatórias:
“Quanto ao exercício e gozo: posse direta e posse indireta. Quanto à
existência de vício: posse justa e posse Injusta. Quanto à legitimidade do
título (ou ao elemento subjetivo): posse de boa-fé ou posse de má-fé. Quanto ao
tempo: posse nova e posse velha. Quanto à proteção: posse ad interdicta e posse
ad usucapionem”.
1º =
Quanto ao exercício e gozo: posse direta e posse indireta. O artigo 1.197,
Código Civil (2020, p. 1.084), diz textualmente:
“A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente,
em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela
foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto”.
Por
paradoxal que possa parecer, pressupõem-se que as posses direta e indireta é resultante
de uma combinação harmoniosa entre a pessoa que tem o bem em seu poder (de
forma objetiva) e o usufrutuário (de forma subjetiva), pois quem efetivamente
se mostra com os poderes aparentes de proprietário é quem exerce o poder físico
ou material sobre o bem, aquele que usa. O usufrutuário goza dos rendimentos –
meia, aluguel ou porcentagem auferidos, oriundos sobre a coisa. Como
consequência, tanto o possuidor direto como o indireto podem valer-se das ações
possessórias para se defenderem de turbação ou esbulho.
2º =
Quanto à existência de vício: posse
justa e posse Injusta. Entende-se por posse injusta, a ocupação do imóvel
urbano ou rural cuja aquisição acontece pela força física ou moral; violência
material ou corporal e respectivamente, engano, dolo ou trapaça, procedimentos
considerados no Direito como “vícios” conforme se depreende da leitura
contextual do Código Civil (2020, p.1.094):
Art. 1.208 - “Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância
assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos,
senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”.
Segundo
Machado (2020, p.1087),
“a posse justa é um
conceito residual, pois tal espécie de posse decorre da inexistência de
violência, clandestinidade ou precariedade e, dessa forma, primeiro será
necessário estabelecer se a posse é ou não injusta para depois chegarmos à
posse justa”.
Nesta
esteira é classificada como “justa” a posse que não resulta de nenhum tipo de
violência ou qualquer outro subterfugio eivado de enganos ou ações danosas a
outrem, Código Civil (2020, p. 1087): Art. 1.200 - “É justa a posse que não for
violenta, clandestina ou precária”.
3º:
Quanto à legitimidade do título (ou ao elemento subjetivo): posse de boa-fé ou
posse de má-fé. Segundo Machado (2020, p. 1089), “na posse de boa-fé, o
possuidor desconhece que existiu vício na aquisição do bem. De fato, ele acredita
ser o proprietário (pois comprou o bem de quem acreditava ser o verdadeiro
proprietário)”, num comentário que sintetiza os dois lados deste título,
conforme encontrado no Código Civil (2020, p. 1089), Art. 1.201 – ““É de boa-fé
a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição
da coisa”. Isto posto, concluiu-se que a posse de má-fé, é aquela em que o
possuidor tem conhecimento do vicio, o que faz com que a mesma seja injusta
pois adquiriu a coisa viciada pela precariedade que maculou a compra.
4º
:Integramos no presente parágrafo as vertentes restantes; “Quanto ao tempo:
posse nova e posse velha; e, quanto à proteção: posse ad interdicta e posse ad
usucapionem”.
A Posse
Nova, é aquela adquirida em um tempo de no máximo um ano e um dia; o
inverso, a Posse Velha, é aquela cuja coisa foi adquirida em um tempo
maior – mais de um ano e um dia. Esta contagem de tempo de exploração ou manutenção da posse,
juridicamente falado, tem um peso diferenciado e é imprescindível para o
direito processual civil, tendo em vista que nas ações possessórias, a força
nova, propiciará a previsão de liminar de reintegração ou manutenção de
posse, o mesmo não acontece havendo força velha.
A Posse ad interdicta, deve ser
entendida como posse justa. Caso seja turbada, esbulhada ou ameaçada o
possuidor tem direito aos interditos possessórios, em perspectiva jurídica
diferenciada.
E finalmente, aportamos na Posse ad
usucapionem, aquela em que, excluídas as relações contratuais:
locação, comodato, usufruto, deposito, etc; com o decorrer do tempo, pode ser
adquirida via usucapião. Para melhor compreensão destes sentidos, reportamo-nos
à releitura dos artigos, 1.239 e
1.240, acima citados:
“Aquele que, não sendo
proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a
cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”; Art. 1.239.
“Aquele que possuir, como
sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural”; Art. 1.240. Código Civil, (2020, p. 1123/1124).
A Legislação Brasileira, cercou de garantias
e proteção o possuidor, de tal forma que esta proteção está entre os mais
importantes dos efeitos da posse. A
proteção possessória pode ser para dar legítima defesa ao uso e proteção da
coisa e do agente, ou pelo desforço pessoal, modalidades de autotutela prevista
no Código Civil (2020, ps. 1095/1096 e 1110):
Art. 1210, caput e § 1º -
“1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,
restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo
receio de ser molestado”. § 1º: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá
manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os
atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à
manutenção, ou restituição da posse”.
Art.
1.228: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha”.
Além da
proteção balizada na Lei número 10.406 de 2002, conhecida popularmente como
Código Civil, as ações possessórias, como manutenção e garantia da coisa,
também estão previstas nos artigos 554 a 568 da Lei nº 13.105 de 2015, a saber,
o Código de Processo Civil.
2.2 - O DILEMA TEÓRICO DO LEGISLADOR BRASILEIRO.
Segundo Gagliano (2019, p. 1035), “No campo
dos direitos reais, é possível, de forma geral, identificar a posse com um
domínio fático da pessoa sobre a coisa”; mas apesar da contundência da
afirmação de Gagliano, a natureza jurídica da posse tem sido objeto de
diferentes escrutínios doutrinários.
Apesar da diversidade e detalhamento desta
natureza cuja aureola encantadora envolve a ideia da posse, em função do
objetivo deste estudo de caso, iremos nos ater às teorias que fundamentam o
Direito brasileiro, a saber: a teoria, Objetiva, Subjetiva e a Tutelada pelo
Direito.
A Teoria Subjetiva (de Savingny) atribui dois
elementos distintos à posse: O animus (que consiste na intenção de ter a coisa)
e o corpus (cuja consistência está no poder material da coisa). Neste escopo
doutrinário, o possuidor, além de estar imbuído da intenção de se apoderar do bem
como senhor, já está na prática exercendo o poder material sobre o mesmo.
A Teoria Objetiva (de Ihering) pressupõem que
o possuidor, mesmo não tendo o poder material sobre a coisa, age ou comporta-se
como dono (proprietário) imprimindo sobre a mesma destinação econômica, dando a
posse um estado de dinâmica e objetividade quanto à materialização da
propriedade em si mesma.
A Teoria da posse Tutelada, começou a gestar
na compreensão dos estudantes e artesões do labor advocatício, ao se observar o
fato de que a posse pode não ser um “direito real” pois foge da legalidade e da
tipicidade descritos no Artigo 1.225:
“São direitos reais:
I - a propriedade;
II - a superfície;
III - as servidões;
IV - o usufruto;
V - o uso;
VI - a habitação;
VII - o direito do promitente comprador do
imóvel;
VIII - o penhor;
IX - a hipoteca;
X - a anticrese.
XI - a concessão de uso especial para fins de
moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
XII - a concessão de direito real de
uso; e (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
XIII - a laje. (Incluído pela Lei nº
13.465, de 2017)” (Código Civil Brasileiro, p. 1103).
Partindo do pressuposto de que o Direito Real
é caracterizado pela legalidade e tipicidade, regulado e previsto em lei, a
ausência da “posse” no rol deste artigo, contribuiu para que a exemplo de
outros, Gagliano (2019, p. 1036) concluísse que “a posse não é um direito real,
mas, sim, uma situação tutelada pelo Direito”.
Em que pese as
considerações e argumentações objeto das discordâncias dos legisladores, o
Código Civil brasileiro optou por adotar a Teoria Objetiva, de Ihering, tendo
como fundamento a perspectiva da função social consagrada na LICC – Lei de
Introdução ao Código Civil (Código Civil, 2020, p. 9), Art. 5º: “Na aplicação
da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum”.
2.3 – A
PERSPECTIVA DA FUNÇÃO SOCIAL ATRELADA A POSSE.
No entendimento extraído da Teoria
Tridimensional do Direito, de Miguel Reale (2017, p. 67);
“Direito é a realização
ordenada e garantida do bem comum numa estrutura tridimensional bilateral
atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação heterônoma,
coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma
integração normativa de fatos segundo valores”.
Os fatos e os valores sobre os quais o
direito possessório está balizado, sustentam-se nos anseios básicos da
dignidade da sobrevivência humana, cuja âncora tem sua sustentação na função
social da posse cujos liames estão escancarados na Constituição Cidadã, de
1988. Dentre os vários artigos constitucionais é mister citar-se entre outros:
“Art. 5º Caput e Inciso
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 170. A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
Inciso III - função social da propriedade.
Art. 184. Caput:
Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma
agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante
prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de
preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do
segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
Art. 186. A função
social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: Inciso
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores”. (Moraes, 2019, ps. 9, 157, 164 e 165 respectivamente).
Pelo acima exposto fica
espelhado que o diferencial da posse, seja rural ou urbana é
estabelecida pela necessidade para o trabalho e/ou para a moradia, sendo dever moral do possuidor utilizá-la em
proveito de todos. Facchin, citado por Schreiber (2018, p. 691),
entendeu assim a funcionalidade da posse:
“[...] a função social é
mais evidente na posse e muito menos evidente na propriedade, que mesmo sem
uso, pode se manter como tal. A função social da propriedade corresponde a
limitações fixadas no interesse público e tem por finalidade instituir um
conceito dinâmico de propriedade em substituição ao conceito estático,
representando uma projeção da relação anti-individualista. O fundamento da
função social da propriedade é eliminar da propriedade privada o que há de
eliminável. O fundamento da função social da posse revela o imprescindível, uma
expressão natural de necessidade”.
Finalmente há de se convir,
segundo Alves[1], (2021, slide aula 02) que “o exercício, pleno
ou não, dos poderes inerentes à propriedade (usar, gozar/fruir, dispor,
reivindicar) somente justifica a tutela e a legitimidade da posse se observada
a sua função social”.
3 – CONCLUSÃO
Apesar da auréola de variações teóricas
envolvendo o Direito Possessório no que tange a conceituação de posse e sua
variante no que diz respeito à sua classificação quanto a sua nomenclatura; não
paira no Estado democrático de direito nenhuma nuance quanto a sua
qualificação: A função social da posse é um selo indelével quanto carimbo como
marca de propriedade.
Independente de seu estigma de que a posse
não é um direito real, partiu-se do pressuposto constitucional para que a mesma
se formasse em uma situação tutelada pelo Direito com continuas pinceladas de
incremento à busca do fortalecimento do ideário da dignidade humana tendo como
alicerce a função social da terra que cada vez mais vai ganhando importância
pela valorização da chamada posse-trabalho.
Na lavratura que contempla este estudo de
caso, sob a tutela da Lei número 10.406 de 2002 – mais conhecida como Código
Civil; e Lei nº 13.105 de 2015, popular Código de Processo Civil; - artigos 554 à 568, as ações possessórias,
como manutenção e garantia da coisa, nos asseguram que enquanto o diferencial
da posse, seja rural ou urbana for estabelecida pela necessidade para o
trabalho e/ou para a moradia, o direito pátrio atenderá aos fins sociais a que
ela se dirige e às exigências do bem comum.
Manoel de Jesus – Especialista em Gestão Educacional e Empresarial; especialista em Gestão Pública. Bacharel em Administração; e discente do curso de Direito.
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