Pesquisar este blog

domingo, 9 de maio de 2021

DIREITO CIVIL - DIREITOS POSSESSÓRIOS: CONCEITUAÇÃO JURÍDICA E FUNÇÃO SOCIAL.


 Manoel de Jesus

 

 1             - INTRODUÇÃO.

 ANTELÓQUIO CONCEITUAL.

A posse é um dos temas mais controvertidos do direito civil e, por tal razão, muitos se escusam de operá-la dentro da lavratura no exercício advocatício. Em que pese a controvérsia, o relevante é que a posse consiste na exteriorização da propriedade e que esta exteriorização é protegida pelo Direito. Para melhor compreensão deste antelóquio, vale a ressalva de que tal exteriorização nada mais é do que a aparência de propriedade.

Citando Gonçalves (2019, p. 44): “O nosso direito protege não só a posse correspondente ao direito de propriedade e a outros direitos reais como também a posse como figura autônoma e independente da existência de um título”; vez que, dentro do contexto jurídico brasileiro, o Código Civil (2020, p. 1083) em vigor, Art. 1.196, traz a seguinte assertiva: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

Não se confunde a propriedade e a posse, haja visto que a primeira exige o registro para os bens imóveis e a tradição (entrega do bem com vontade e legitimidade para transferi-lo) para os bens móveis. Para melhor compreensão da segunda, faz-se mister reportarmo-nos ao Código Civil no que tange aos Direitos Possessórios:

 

”Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”; Art. 1.239; e concomitantemente o  “Art. 1.240: “Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”; Código Civil, (2020, p. 1123/1124).

 

Conforme o exposto acima a posse pode significar apenas ter a disposição da coisa, podendo usa-la; dela gozar e da mesma dispor com fins socioeconômicos, utilizando o seu usufruto para uma sobrevivência digna.

  2 – DESENVOLVIMENTO.

2.1– A POSSE NO DIREITO BRASILEIRO: PROTEÇÃO E NOMECLATURA.

Segundo Venosa (2013, p. 99),

 

“O Código de 2002 atendeu aos reclamos da doutrina e enunciou o princípio de aquisição da posse de maneira lapidar, no art. 1.204, de acordo com a singela noção de posse: Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade."

 

 

Fiel ao entendimento proposto por este estudo de caso, ater-nos-emos aos casos mais comuns à lide do Direito. No entendimento de Gagliano e Filho (2018, p. 1041), o legislador primou por sistematizar a posse no Brasil nas seguintes vertentes classificatórias:

 

“Quanto ao exercício e gozo: posse direta e posse indireta. Quanto à existência de vício: posse justa e posse Injusta. Quanto à legitimidade do título (ou ao elemento subjetivo): posse de boa-fé ou posse de má-fé. Quanto ao tempo: posse nova e posse velha. Quanto à proteção: posse ad interdicta e posse ad usucapionem”.

 

1º = Quanto ao exercício e gozo: posse direta e posse indireta. O artigo 1.197, Código Civil (2020, p. 1.084), diz textualmente:

 

“A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto”.

 

Por paradoxal que possa parecer, pressupõem-se que as posses direta e indireta é resultante de uma combinação harmoniosa entre a pessoa que tem o bem em seu poder (de forma objetiva) e o usufrutuário (de forma subjetiva), pois quem efetivamente se mostra com os poderes aparentes de proprietário é quem exerce o poder físico ou material sobre o bem, aquele que usa. O usufrutuário goza dos rendimentos – meia, aluguel ou porcentagem auferidos, oriundos sobre a coisa. Como consequência, tanto o possuidor direto como o indireto podem valer-se das ações possessórias para se defenderem de turbação ou esbulho.

2º = Quanto à existência de vício:  posse justa e posse Injusta. Entende-se por posse injusta, a ocupação do imóvel urbano ou rural cuja aquisição acontece pela força física ou moral; violência material ou corporal e respectivamente, engano, dolo ou trapaça, procedimentos considerados no Direito como “vícios” conforme se depreende da leitura contextual do Código Civil (2020, p.1.094):  Art. 1.208 - “Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”.

Segundo Machado (2020, p.1087),

 

 “a posse justa é um conceito residual, pois tal espécie de posse decorre da inexistência de violência, clandestinidade ou precariedade e, dessa forma, primeiro será necessário estabelecer se a posse é ou não injusta para depois chegarmos à posse justa”.

 

Nesta esteira é classificada como “justa” a posse que não resulta de nenhum tipo de violência ou qualquer outro subterfugio eivado de enganos ou ações danosas a outrem, Código Civil (2020, p. 1087): Art. 1.200 - “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”.

3º: Quanto à legitimidade do título (ou ao elemento subjetivo): posse de boa-fé ou posse de má-fé. Segundo Machado (2020, p. 1089), “na posse de boa-fé, o possuidor desconhece que existiu vício na aquisição do bem. De fato, ele acredita ser o proprietário (pois comprou o bem de quem acreditava ser o verdadeiro proprietário)”, num comentário que sintetiza os dois lados deste título, conforme encontrado no Código Civil (2020, p. 1089), Art. 1.201 – ““É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. Isto posto, concluiu-se que a posse de má-fé, é aquela em que o possuidor tem conhecimento do vicio, o que faz com que a mesma seja injusta pois adquiriu a coisa viciada pela precariedade que maculou a compra.

4º :Integramos no presente parágrafo as vertentes restantes; “Quanto ao tempo: posse nova e posse velha; e, quanto à proteção: posse ad interdicta e posse ad usucapionem”.

A Posse Nova, é aquela adquirida em um tempo de no máximo um ano e um dia; o inverso, a Posse Velha, é aquela cuja coisa foi adquirida em um tempo maior – mais de um ano e um dia. Esta contagem de tempo de exploração ou manutenção da posse, juridicamente falado, tem um peso diferenciado e é imprescindível para o direito processual civil, tendo em vista que nas ações possessórias, a força nova, propiciará a previsão de liminar de reintegração ou manutenção de posse, o mesmo não acontece havendo força velha.

A Posse ad interdicta, deve ser entendida como posse justa. Caso seja turbada, esbulhada ou ameaçada o possuidor tem direito aos interditos possessórios, em perspectiva jurídica diferenciada.

E finalmente, aportamos na Posse ad usucapionem, aquela em que, excluídas as relações contratuais: locação, comodato, usufruto, deposito, etc; com o decorrer do tempo, pode ser adquirida via usucapião. Para melhor compreensão destes sentidos, reportamo-nos à releitura dos artigos, 1.239 e 1.240, acima citados:

 

“Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”; Art. 1.239.

“Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”; Art. 1.240. Código Civil, (2020, p. 1123/1124).

 

 

A Legislação Brasileira, cercou de garantias e proteção o possuidor, de tal forma que esta proteção está entre os mais importantes dos efeitos da posse.  A proteção possessória pode ser para dar legítima defesa ao uso e proteção da coisa e do agente, ou pelo desforço pessoal, modalidades de autotutela prevista no Código Civil (2020, ps. 1095/1096 e 1110):

 

Art. 1210, caput e § 1º - “1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. § 1º: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”.

Art. 1.228: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

 

Além da proteção balizada na Lei número 10.406 de 2002, conhecida popularmente como Código Civil, as ações possessórias, como manutenção e garantia da coisa, também estão previstas nos artigos 554 a 568 da Lei nº 13.105 de 2015, a saber, o Código de Processo Civil.

 

2.2 - O DILEMA TEÓRICO DO LEGISLADOR BRASILEIRO.

Segundo Gagliano (2019, p. 1035), “No campo dos direitos reais, é possível, de forma geral, identificar a posse com um domínio fático da pessoa sobre a coisa”; mas apesar da contundência da afirmação de Gagliano, a natureza jurídica da posse tem sido objeto de diferentes escrutínios doutrinários.

Apesar da diversidade e detalhamento desta natureza cuja aureola encantadora envolve a ideia da posse, em função do objetivo deste estudo de caso, iremos nos ater às teorias que fundamentam o Direito brasileiro, a saber: a teoria, Objetiva, Subjetiva e a Tutelada pelo Direito.

A Teoria Subjetiva (de Savingny) atribui dois elementos distintos à posse: O animus (que consiste na intenção de ter a coisa) e o corpus (cuja consistência está no poder material da coisa). Neste escopo doutrinário, o possuidor, além de estar imbuído da intenção de se apoderar do bem como senhor, já está na prática exercendo o poder material sobre o mesmo.

A Teoria Objetiva (de Ihering) pressupõem que o possuidor, mesmo não tendo o poder material sobre a coisa, age ou comporta-se como dono (proprietário) imprimindo sobre a mesma destinação econômica, dando a posse um estado de dinâmica e objetividade quanto à materialização da propriedade em si mesma.

A Teoria da posse Tutelada, começou a gestar na compreensão dos estudantes e artesões do labor advocatício, ao se observar o fato de que a posse pode não ser um “direito real” pois foge da legalidade e da tipicidade descritos no Artigo 1.225:

 

“São direitos reais:

I - a propriedade;

II - a superfície;

III - as servidões;

IV - o usufruto;

V - o uso;

VI - a habitação;

VII - o direito do promitente comprador do imóvel;

VIII - o penhor;

IX - a hipoteca;

X - a anticrese.

XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

XII - a concessão de direito real de uso; e (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

XIII - a laje. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)” (Código Civil Brasileiro, p. 1103).

 

Partindo do pressuposto de que o Direito Real é caracterizado pela legalidade e tipicidade, regulado e previsto em lei, a ausência da “posse” no rol deste artigo, contribuiu para que a exemplo de outros, Gagliano (2019, p. 1036) concluísse que “a posse não é um direito real, mas, sim, uma situação tutelada pelo Direito”.

Em que pese as considerações e argumentações objeto das discordâncias dos legisladores, o Código Civil brasileiro optou por adotar a Teoria Objetiva, de Ihering, tendo como fundamento a perspectiva da função social consagrada na LICC – Lei de Introdução ao Código Civil (Código Civil, 2020, p. 9), Art. 5º: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

 

2.3 – A PERSPECTIVA DA FUNÇÃO SOCIAL ATRELADA A POSSE.

No entendimento extraído da Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale (2017, p. 67);

 

“Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores”.

 

 

Os fatos e os valores sobre os quais o direito possessório está balizado, sustentam-se nos anseios básicos da dignidade da sobrevivência humana, cuja âncora tem sua sustentação na função social da posse cujos liames estão escancarados na Constituição Cidadã, de 1988. Dentre os vários artigos constitucionais é mister citar-se entre outros:

 

 

“Art. 5º Caput e Inciso XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:  Inciso III - função social da propriedade.

Art. 184. Caput: Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: Inciso IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. (Moraes, 2019, ps. 9, 157, 164 e 165 respectivamente).

 

 

Pelo acima exposto fica espelhado que o diferencial da posse, seja rural ou urbana é estabelecida pela necessidade para o trabalho e/ou para a moradia, sendo dever moral do possuidor utilizá-la em proveito de todos. Facchin, citado por Schreiber (2018, p. 691), entendeu assim a funcionalidade da posse:

 

“[...] a função social é mais evidente na posse e muito menos evidente na propriedade, que mesmo sem uso, pode se manter como tal. A função social da propriedade corresponde a limitações fixadas no interesse público e tem por finalidade instituir um conceito dinâmico de propriedade em substituição ao conceito estático, representando uma projeção da relação anti-individualista. O fundamento da função social da propriedade é eliminar da propriedade privada o que há de eliminável. O fundamento da função social da posse revela o imprescindível, uma expressão natural de necessidade”.

 

Finalmente há de se convir, segundo Alves[1], (2021, slide aula 02) que “o exercício, pleno ou não, dos poderes inerentes à propriedade (usar, gozar/fruir, dispor, reivindicar) somente justifica a tutela e a legitimidade da posse se observada a sua função social”.

 

3 – CONCLUSÃO

Apesar da auréola de variações teóricas envolvendo o Direito Possessório no que tange a conceituação de posse e sua variante no que diz respeito à sua classificação quanto a sua nomenclatura; não paira no Estado democrático de direito nenhuma nuance quanto a sua qualificação: A função social da posse é um selo indelével quanto carimbo como marca de propriedade.

Independente de seu estigma de que a posse não é um direito real, partiu-se do pressuposto constitucional para que a mesma se formasse em uma situação tutelada pelo Direito com continuas pinceladas de incremento à busca do fortalecimento do ideário da dignidade humana tendo como alicerce a função social da terra que cada vez mais vai ganhando importância pela valorização da chamada posse-trabalho.

Na lavratura que contempla este estudo de caso, sob a tutela da Lei número 10.406 de 2002 – mais conhecida como Código Civil; e Lei nº 13.105 de 2015, popular Código de Processo Civil;  - artigos 554 à 568, as ações possessórias, como manutenção e garantia da coisa, nos asseguram que enquanto o diferencial da posse, seja rural ou urbana for estabelecida pela necessidade para o trabalho e/ou para a moradia, o direito pátrio atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 - ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2010.

 - GAGLIANO, Pablo Stolze e e Rodolfo Pamplona Filho. Manual de direito civil. Vol único.  3ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2019.

 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. 14ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2019, v.5.

 - MACHADO, Costa. Código civil interpretado.  Ed. Manolo. 13ª edição. 2020

 - MORAES, Alexandre de. Constituição da República Federativa do Brasil. 46ª e. Ed., Gen/Atlas, São Paulo, 2019.

 - REALI, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed. Saraiva. São Paulo, 2017.

 - SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. Ed. Saraiva. São Paulo, 2018.

 - VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direitos Reais - 13. ed. V. 5. - São Paulo. Atlas, 2013.

      Palavras chaves: Posse. Direitos. Social.

Manoel de Jesus – Especialista em Gestão Educacional e Empresarial; especialista em Gestão Pública. Bacharel em Administração; e discente do curso de Direito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário