Manoel de Jesus
Faz tempos que
Gibran[1] se perguntou; “Quem poderá separar a
sua fé das suas ações, ou as suas crenças das suas ocupações?” Obviamente que
nos dias atuais a pergunta formulada seria, “Como pode um Estado laico separar
a fé das ações e as crenças das suas ocupações?”
Com a explosão de casos de Covid-19, a maioria
dos estados e Municípios brasileiros, diante do despreparo para enfrentar a
doença, optaram pela promulgação de decretos, disciplinando temporariamente as
atividades religiosas nos templos e afins, na tentativa de evitar o crescimento
do número de cidadãos vitimizados e frearem assim o obituário, dia após dia,
cada vez mais crescente.
Nas pegadas dos outros governadores, em
31/03/2020, Mendes publicou o decreto de nº 432/2020 que fechava os templos e
todo e qualquer local de culto público de conformidade com o Art. 3º, caput,
inciso XI: “Em todos os municípios do Estado de Mato Grosso, independentemente
de ocorrência de casos confirmados de COVID-19, ficam vedadas as atividades que
provocarem aglomerações de pessoas, tais como: XI - missas, cultos e
celebrações religiosas”.
Diante
do eminente prejuízo político e das pressões advindas dos líderes religiosos,
Mendes, preocupado em manter o bom relacionamento, em 22/04/2020 publicou outro
decreto, o de número 462/2020, cujo artigo 2º, § 1º: “Para realização de
atividades de cunho religioso, sem prejuízo da observância, no que couber, das
normas gerais previstas no artigo 2º deste Decreto, ficam recomendadas as
seguintes medidas: I - disponibilização de local e produtos para higienização
de mãos e calçados; II - distanciamento mínimo de 1,5m (um metro e meio) entre
as pessoas; III - controle do acesso de pessoas do grupo de risco ao estabelecimento,
inclusive pessoas com idade superior a 60 (sessenta) anos; IV - suspensão de
qualquer contato físico entre as pessoas; V - suspensão da entrada de pessoas
sem máscara de proteção facial; VI - suspensão da entrada de pessoas, quando
ultrapassada em 50% (cinquenta por cento) a capacidade máxima do
estabelecimento religioso”. E obviamente anulou o decreto anterior. Atualmente está em vigor a
Lei número11.330/2021, que reconhece a atividade religiosa como essencial para
a população. Ela foi publicada no Diário Oficial do dia 31 de março corrente.
Agora
em resposta à Gibran e aos inúmeros leitores; devemos
procurar entender que a ação da fé e as ocupações da crença para as práticas religiosas se divide em dois
aspectos ou em duas dimensões:
1) Dimensão
interna (forum internum): consiste na liberdade espiritual íntima de
formar a sua crença, a sua ideologia ou a sua consciência; sobre isto Jesus já
afirmara: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim
o adorem” (João 4:23), e o apostolo Paulo fecha a ideia com chave de ouro:
“Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas
que se não vêem” (Hebreus 11:1).
2) Dimensão
externa (forum externum): diz respeito mais propriamente à liberdade de
confissão e à liberdade de culto. Um bom exemplo desta prática, encontramos no
povo judeu que impedidos de adorarem ao seu Deus no Egito, marchou pelo deserto
e durante a marcha todas as manhãs “todo o povo se levantava e cada um,
à porta da sua tenda, adorava”.(Êxodo 33:10). A exemplo do pai do
profeta Samuel que “de ano em ano, subia a adorar e a
sacrificar ao Senhor dos Exércitos em Siló” (1 Samuel 1:3); ainda hoje os religiosos se locomovem
em variadas direções para a prática do culto religioso. Um bom exemplo é o
santuário de Aparecida e o templo de Salomão, em São Paulo. Na comunidade
matogrossense, cada cidadão se dirige ao templo escolhido per-si para o
ato de adoração.
Conforme o
exposto entendemos que o aspecto interno do direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião é um direito absoluto, que não pode ser restringido,
entretanto o aspecto externo, por sua vez, fica sujeito a algumas limitações,
como no caso do povo judeu que precisou sair do Egito, do pai do profeta que se
deslocava anualmente à Siló, em função das restrições da sua época. No caso dos
prefeitos e do governo de Mato Grosso, as restrições impostas durante a
pandemia encontram respaldo no art. 5º, VI, da CF/88: Art. 5º, Inciso VI: “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias”; ou seja, as liturgias e os locais
de culto são protegidos nos termos da lei, ao mesmo tempo que derruba a ideia
de que a liberdade da realização das práticas de cultos e outras manifestações
religiosas coletivas seria absoluta.
Entendido
esta dicotomia fica compreensível e aceitável que a conexão entre o direito e a religião cristã
não significa abandonar o pressuposto de racionalidade como ponto de partida de
uma ordenação propriamente jurídica. Afinal, essa é a vocação precípua e
irrenunciável do direito ocidental, construído sobre o legado greco-romano
tendo como base o Direito Canônico, com o qual aprendemos que a lei deve proteger os templos e não deve
interferir nas liturgias, a não ser que assim o imponha alguma norma constitucional
amparada pela compreensão de um bem maior, no caso em tela, a preservação da
vida.
As
medidas restritivas, dessa forma, resultam de análises técnicas relativas ao
risco ambiental de contágio pela Covid-19 e fazem parte de um conjunto de
medidas de preservação da capacidade de atendimento da rede de serviço de saúde
pública. Ressalte-se também que não foram apenas as atividades religiosas que
foram proibidas.
E segue a
vida.
Palavras chaves: Gibran. Mendes. Salomão. Siló.
Manoel de Jesus – Especialista em Gestão Educacional e Empresarial; especialista em Gestão Pública. Bacharel em Administração; e discente do curso de Direito.
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