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terça-feira, 31 de maio de 2022

AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NUM MUNDO PÓS-MODERNO: JUSTIÇA 4.0.

 

Manoel de Jesus[1]

 

 

I.- INTRODUÇÃO.

I.I – Conceito.

A revolução digital, verificada nos sistemas; financeiros, esporte e laser, saúde e trabalho, conhecimento e educação, finalmente aportaram no mundo da prática jurídica, num programa que favorece a sociedade num todo. O sistema eletrônico denominado JUSTIÇA 4.0, veio mudar, para melhor, o modo como o Poder Judiciário atua.

Tudo começou com a Lei nº 14.129/2021, que propôs o funcionamento do Governo Digital, e sine qua non, o aumento da eficiência pública, por meio da desburocratização, da inovação e da transformação digital, instituindo, como princípio a simplificação da relação do poder público com a sociedade, propiciado pela modernização e o fortalecimento da confiança mutua.

 Fruto da Resolução Nº 385, de 06 de Abril de 2021, de provimento do CNJ - CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, concomitantemente à Lei 14.318/ 2022 (utilização de sistema de protocolo integrado judicial de caráter nacional), o JUSTIÇA 4.0, é o resultado de uma parceria entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho da Justiça Federal (CJF) que conta com o apoio intrínseco do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).

Laborando sobre quatro eixos[2] de atuação específicas; 1º: Inovação e tecnologia, “para desenvolver soluções disruptivas e melhorar a prestação de serviço a toda sociedade”; 2º: Gestão de informação e políticas judiciárias, “na formulação, implantação e monitoramento de políticas judiciárias com base em evidências para fortalecer a promoção de direitos humanos”; 3º: Prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, tendo como alvo o “robustecimento da atuação do judiciário com melhor gestão de dados e informações e otimização da pesquisa de ativos em bancos de dados”; e 4º: Fortalecimento de capacidades institucionais, na “transferência de conhecimentos e soluções ao CNJ e demais órgãos da Justiça com foco na segurança jurídica, na sustentabilidade dos projetos e na eficiência da prestação jurisdicional”.

Tais ações deverão acontecer tendo como pressuposto ser resultantes de serviços digitais, acessíveis por dispositivos móveis, que permitirão às pessoas jurídicas e aos outros entes públicos demandar e acessar serviços públicos por meio digital, sem a necessidade de solicitação presencial.

I.II - Metodologia Bibliográfica.

O trabalho em tela tem como referencial metodológico adotado para sua elaboração; o dedutivo, cujos princípios reconhecidos como verdadeiros possibilitam chegar a conclusões em virtude de sua lógica, e a pesquisa realizada, bibliográfica, constituída principalmente a partir de leituras de documentos, livros, sites análogos e diversos artigos ligados ao tema em questão.

 

II. - UM “NOVO” CONCEITO NO RAMO DO DIREITO

II. I – A Justiça 4.G e sua prática no conceito Judicial.

Desde janeiro de 2021, o Programa Justiça 4.0 impulsiona a transformação digital e o uso de inteligência artificial para tornar a prestação de serviços de Justiça mais eficiente, eficaz e acessível à sociedade. Ele otimiza a gestão processual nos tribunais ampliando a automação do processo eletrônico, aproveitando melhor os recursos humanos e materiais, reduzindo despesas orçamentárias e fomentando a produtividade dos servidores. O Programa também concilia e aprimora as estratégias já usadas pelo sistema de Justiça para registrar e gerir dados e informações. Com isso, fornece evidências para o aperfeiçoamento das políticas judiciárias e aumenta a governança e transparência do Poder Judiciário.

Os Núcleos de Justiça 4.0 permitem o funcionamento remoto, totalmente digital, proporcionando maior agilidade e efetividade à Justiça, pois atendem a todos que procuram a Justiça em busca de solução para litígios específicos, sem exigir que a pessoa seja obrigada a se deslocar até um fórum para comparecer a uma audiência.

A iniciativa, que integra o Programa Justiça 4.0, foi formalizada pela Resolução n. 385/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que autorizou a criação desses núcleos pelos tribunais de todo o país.

Atualmente, os tribunais de todo o país já podem instituir Núcleos de Justiça 4.0, atendendo a todos que procuram a Justiça em busca de solução para litígios específicos, sem exigir que a pessoa seja obrigada a se deslocar até um fórum para comparecer a uma audiência.

Os funcionamentos dos núcleos na jurisdição dos tribunais, após sua regulamentação, respeitam critérios de alocação de equipes e organização e atividades. Ao menos uma vez por ano, os tribunais devem avaliar a quantidade de processos distribuídos para magistradas e magistrados nos núcleos e nas unidades físicas e também como o volume de trabalho das equipes. O objetivo é mensurar a necessidade de transformação de unidades físicas em núcleos, com eventual readequação da sua estrutura de funcionamento ou de alteração da abrangência de área de atuação.

Os processos somente poderão ser distribuídos para os Núcleos que respondam por aquela matéria. Cada um desses núcleos pode atender demandas especializadas que lhe forem encaminhadas, julgando ações vindas de qualquer local do território sobre o qual o tribunal tiver jurisdição. Neles, as juízas e os juízes atuam de forma remota.

 

II.II - A informatização do processo judicial e sua utilização no sistema.

Nos Núcleos de Justiça 4.0, os processos tramitam por meio do Juízo 100% Digital, originário da Resolução CNJ Nº 345, de 9/10/2020, no qual videoconferências e outros atos são realizados com o auxílio da tecnologia e dispensam a presença física das partes e representantes, pois toda a movimentação do processo nessas novas unidades judiciárias ocorre pela internet, numa iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que em outubro de 2020, aprovou a Resolução nº 345, que autoriza os tribunais brasileiros a adotarem o “Juízo 100% Digital”.

A informatização do processo judicial permite ao cidadão valer-se da tecnologia para ter acesso à Justiça sem precisar comparecer fisicamente nos Fóruns, uma vez que, no “Juízo 100% Digital”, todos os atos processuais serão praticados exclusivamente por meio eletrônico e remoto, pela Internet.

Segundo KOETZ, 2017;

 

“O cotidiano das pessoas se diversificou, a realidade se tornou multipolarizada. Cada indivíduo faz parte de inúmeros grupos sociais e estabelece vínculos e relações mais superficiais, porém, em muito maior quantidade que em tempos passados. Vínculos antigos e vínculos novos permanecem com sutis contatos pela via digital. As companhias não presenciais dinamizam as relações humanas e tornam os momentos de prazer e desprazer mais constantes, tornando a vida mais intensa e mais conflituosa.

Essa nova dinâmica social exige uma nova conceituação do que é Justiça (um conceito mais amplo do que dar a cada um o que é seu) e como o Estado precisa se preparar para estar presente neste momento e apresentar a decisão do juiz, entregando um dos seus principais serviços, qual seja, a prestação jurisdicional. A solução dos conflitos individuais e coletivos acontece em uma proporção totalmente diferente do que ocorria quando os preceitos da justiça e do processo de decisão judicial foram estabelecidos”.

 

Sintetizando o pensamento de Koetz, o “Juízo 100% Digital” será realizado pelos canais digitais disponíveis. Para que isto aconteça os tribunais fornecerão a infraestrutura de informática e de telecomunicação necessárias ao funcionamento das unidades jurisdicionais inclusas no “Juízo 100% Digital”, que deverá prestar, no horário de atendimento ao público, atendimento remoto por telefone, e-mail, chamadas de vídeo, aplicativos digitais ou outros canais de comunicação definidos pelo tribunal. Como parte integrante deste combo, as audiências e as sessões de julgamento, ocorrerão exclusivamente por videoconferência, quer seja na vara, trabalhista, cível, família, previdenciária e as demais que compõem o sistema judiciário brasileiro e estejam abarcadas no direito pátrio.

Optativo, o “Juízo 100% Digital” acompanha a agilidade do mundo contemporâneo e traz benefícios para os advogados e para todos que buscam uma duração razoável dos processos. Bem dentro do seu “espirito de modernidade”, é uma decisão do cidadão e deverá ser informada no processo. A parte demandada pode, no entanto, opor-se à opção até a contestação ou assim que for notificada para tanto. Após a contestação e até a sentença, as partes poderão retratar-se da escolha pelo “Juízo 100% Digital” uma única vez.

 

III - O JUS POSTULANDI NO NOVO PROCESSO JUDICIAL.

O Jus postulandi, termo em latim que significa "direito de postular", é a prerrogativa dos advogados de agir em nome das partes. De acordo com o artigo 103 do CPC, "a parte será representada em juízo por advogado”. Segundo a lei do Processo Judicial Eletrônico (lei 11.419/2006) para atuar nos processos inseridos no sistema do “Juízo 100% Digital” e que tramitam sob a forma eletrônica, os advogados devem, obrigatoriamente, criar um certificado digital para garantir a segurança dos registros na tramitação dos atos processuais, ou seja, uma espécie de assinatura eletrônica, que envolve o uso da criptografia assimétrica, com chaves de conhecimento do titular e pública. Segundo ALVIM e CABRAL JÚNIOR, 2008, p. 144;

 

[...] A assinatura eletrônica é um modo de garantir que o documento é proveniente do seu autor e que seu conteúdo está íntegro, pois a criptografia assimétrica cria um vínculo entre a assinatura e o corpo do documento. [...]

 

Como se pode observar, o uso Justiça 4.0, operado via “Juízo 100% Digital”, permite a atuação do "direito de postular" processos inseridos no sistema que tramitam sob a forma eletrônica, permitindo ao advogado praticar os atos processuais em ambientes virtuais, suprimindo  velhos hábitos e procedimentos, incrustado no ideário da clientela tais como; um escritório amplo e cheio de prateleiras repletas de livros e materiais jurídicos impressos (cujos custos de manutenção refletiam na cobrança dos serviços prestados), os constantes deslocamentos ao Fórum – para qualquer necessidade processual (como vistas e consultas alhures), e; concomitantemente, propiciou uma economia de custos, não só de honorários, mas no custo processual num tudo.

Não se pode esquecer que para o exercício da postulação, o operador de Direito tem que ter obrigatoriamente um certificado digital que valida a assinatura pessoal em ambientes virtuais, permitindo que o patrono da parte pratique os atos processuais pelo computador.

 

III. II – Breve consideração dos ganhos do sistema de justiça com o Programa 4.0.

O projeto é desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Conselho de Justiça Federal (CJF), em parceria com o PNUD, tendo como objetivo tornar os serviços oferecidos pela Justiça mais eficientes, eficazes e acessíveis, bem como otimizar a gestão processual para magistrados, servidores e advogados.

Em que pese o cumprimento das Leis, dos Decretos e Resoluções inovadoras que norteiam o desenvolvimento do “Programa Justiça 4.0”, o exercício da magistratura no “Juízo 100% Digital’, obedece a previsão normativa do Art. 17; “As Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais são compostas por juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, na forma da legislação dos Estados e do Distrito Federal, com mandato de 2 (dois) anos, e integradas, preferencialmente, por juízes do Sistema dos Juizados Especiais”, caput e §§, Lei nº 12.153/2009, observados os Arts 5º e 7º da Resolução no 385 de 6 de abril de 2021. Ainda sobre a Resolução 385/2021, do CNJ, o Art. 4º, incisos e parágrafos, prevê a desmaterialização dos prédios e a concretização da justiça como um serviço acessível a todos em qualquer lugar e a qualquer tempo.

Segundo o CNJ, conforme consta do informativo “Um Ano de Justiça 4.0”; o programa já conta com 100% da adesão dos conselhos, tribunais superiores, tribunais federais e tribunais do trabalho do país. Quase todos os tribunais estaduais (96%) já aderiram. No caso da Justiça Eleitoral, mais da metade dos tribunais integra a iniciativa (59%), e a adesão dos tribunais militares atingiu um terço do total (33%), atestando assim a aceitação do programa em tela.

 

IV - CONCLUSÃO.

Quando da votação do ATO NORMATIVO  0001113-81.2021.2.00.0000/2021 que originou a Resolução nº 385/2021, do CNJ, o relator, Ministro LUIZ FUX, então Presidente do Conselho Nacional de Justiça, deixou registrado que;

 

[...] “De fato, as gerações mais jovens já vislumbram as varas físicas e as audiências presenciais como antiquadas. É, nesse contexto, que surge a disruptiva criação dos “Núcleos de Justiça 4.0”, que visam a conferir maior eficiência ao Poder Judiciário, com uma prestação jurisdicional mais efetiva e em tempo razoável. Lograr-se-á, assim, maior aproximação com o cidadão e redução de despesas, mas sem descurar do devido processo legal.

Os “Núcleos de Justiça 4.0” poderão revolucionar o Poder Judiciário brasileiro, provocando o redimensionamento e reestruturação das serventias judiciais. Conceitos como “Comarca” e “Seção Judiciária” podem ser superados, uma vez que o processo eletrônico e o procedimento digital dispensam a concentração da força de trabalho, de forma física e presencial, em um único local, permitindo que a competência territorial dos magistrados seja ampliada para os limites da jurisdição do tribunal.

Do ponto de vista dos advogados, a dinâmica tradicional também acabava por criar certas amarras geográficas, já que nem todos os clientes podem arcar com os custos de deslocamento dos advogados de sua preferência para outras cidades ou estados. Ademais, revelava-se praticamente inviável participar de duas ou mais audiências em um mesmo dia, salvo se no mesmo juízo ou fórum. Com o “Juízo 100% Digital” e os “Núcleos de Justiça 4.0”, há uma ampliação e democratização do acesso à advocacia, permitindo que os cidadãos posssam contratar advogados de cidades distantes e até mesmo de outros estados, sem que isso importe um aumento significativo de custos”. [...].

 

Por todo o exposto em tela, este proêmio, é apenas uma breve síntese sobre, “As Inovações Tecnológicas num mundo pós-moderno: Justiça 4.0”; somos instados a concluir que os “Núcleos de Justiça 4.0”, é o batel no qual transitaremos em segurança no caudaloso processual do “Juizo 100% Digital”, na interface da “Nova Justiça”.

Quando nos deparamos com esta interface da Nova Justiça, conclui-se que a Justiça do mundo global, do mundo tecnológico, a JUSTIÇA DE HOJE, não pode e nem deve ser identificada com a justiça de ontem, visto que “nela vivemos, e nos movemos, e existimos; pois somos também sua geração”[3]; e como tais nos identificamos na certeza de que a Justiça de hoje não mais pode estar identificada como a Justiça de ontem, diante de uma nova sociedade, com inéditas demandas e necessidades.

  Esta Nova Justiça, a “Justiça 4.0” no contexto existencial desta nova geração, é a que mais se aproxima da justiça para todos, em harmonia com a nova realidade social e em sintonia com as dinâmicas contemporâneas, estando preparada para responder, com eficiência, celeridade e criatividade, às expectativas da sociedade pós-moderna, ancorada neste novo mundo tecnológico.

 

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO.

ALVIM, J. E. C. A.; CABRAL JÚNIOR, S. L. N. Processo judicial eletrônico: comentários à Lei 11.419/06. Paraná, 2008, 144 p.

 

BRASIL, Lei nº 14.129/2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14129.htm

Acessado em: 11/04/2022.

 

______, Lei nº 14.318/ 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.318-de-29-de-marco-de-2022-389585686   Acessado em: 11/04/2022

 

______, Resolução Nº 385 de 06 de abril de 2021. CNJ - CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3843       Acessado em: 11/04/2022.

 

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, CNJ. Ato Normativo 0001113-81.2021.2.00.0000. Disponível em: file:///D:/usuario/Downloads/documento_0001113-81.2021.2.00.0000_.HTML       Acessado em: 15/04/2022.

 

________________________, CNJ. Cartilha Justiça 4.0. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/06/Cartilha-Justica-4-0-WEB-28-06-2021.pdf    Acessado em: 09/04/2020. 

 

________________________, CNJ. O que é o Programa justiça 4.0? Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/08/cartilha-justica-4-0-20082021-web.pdf    Acessado em: 09/04/2022

 

________________________, CNJ. Um ano de Justiça 4.0. Disponível em: 1anodej4-0.pdf (cnj.jus.br)     Acessado em: 08/04/2022

 

KOETZ, Eduardo. Transformação Digital e a Justiça. Disponível em: Transformação Digital e a Justiça - TD | O ecossistema da Transformação Digital (transformacaodigital.com)    Acessado em: 00/04/2022.



[1] - Especialista em Gestão Educacional e Empresarial - Faculdade EDUVALE/Jaciara-MT; e especialista em Gestão Pública – IFMT/MT. Bacharel em Administração – Faculdade EDUVALE/Jaciara-MT; e Discente do curso de Direito.

[3] - Cleantes de Assos (Filósofo grego, 330/230 a C) Hino a Zeus. 

DIREITO A INTIMIDADE E PRIVACIDADE NA INTERNET

 

Manoel de Jesus[1]

 

 

I.- INTRODUÇÃO.

I.I – Conceito.

Uma das grandes dificuldades enfrentadas no convívio do social e do Direito no Brasil foi estabelecer barreiras limítrofes na conflitante relação entre o indivíduo per si e a sociedade num todo, coletivo.

Uma das mais significativas conquistas da sociedade de Direito Democrático é a distinção do Direito à intimidade do Direito individual, práticas estas que transformaram sobremaneira o convívio em sociedade, uma vez que a intimidade pode ser considerada no âmbito do exclusivo aquilo que a pessoa reserva para si, sem qualquer tipo de repercussão social, porquanto na vida privada, por mais isolada que possa ser, a mesma se caracteriza pelo viver entre outros, como por exemplo, o viver em família, no trabalho, ou no lazer, fruto do convívio em comum.

O passo inicial para a desvinculação do que seja intimidade; e o que seja individualidade pessoal coube à Constituição Cidadã ao abrir as portas para a discussão sobre os conceitos de vida privada e intimidade, vez que ambos os termos estão contidos no art. 5o, inciso X, CF/88: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Depois de quatorze anos de encontros e desencontros, o Código Civil, em 2002, trilhando os caminhos da Constituição, também reconhece o direito à vida privada segundo consta no art. 21º: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Em sendo assim, o Código Civil deixa claro que a privacidade não diz respeito apenas a vida privada de cada indivíduo, mas também é necessária à vida pública e comunitária, coroando a tutela do Direito à Privacidade, vez que busca não apenas proteger uma pessoa em específico, porém toda a sociedade, com limítrofes não conflitantes, com delimitações de onde começa e onde termina o direito de cada indivíduo em relação a sua intimidade. [2]

 

II - DIREITO À INTIMIDADE VERSUS DIREITO INDIVIDUAL NA INTERNET

Pelo pressuposto contido no art. 5º, Inciso X da CF/88:” são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; entendemos que o legislador, já se preocupava com o modus vivendi da personalidade individual mirando a separação do privativo individual e o privativo do “eu mesmo”, a saber, a inviolabilidade da intimidade intrapessoal.  

Passados 14 anos, a Lei no 10.406/2002, conhecida como Código Civil, no Art. 21: “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”, trouxe o assaz entendimento do que seja a distinção entre a vida privada não íntima e a intimidade da vida privada, a saber; vida privada entende-se como a faculdade que as pessoas têm de fazer com que certos fatos que se relacionem consigo, tais como, suas opiniões ou as suas comunicações, sejam considerados íntimos ou confidenciais, alheios à vontade das pessoas à sua volta, excluindo tais fatos, opinião e até mesmo situações comportamentais do conhecimento de terceiros e restringindo a sua divulgação; enquanto que a  vida privada não íntima é aquela relacionada aos aspectos da pratica comum,  profissionais, familiar, e outros atos comportamentais da pessoa, realizados em público ou não.

 Com o advento das Leis; nº 12.527/2011 – a Lei de Acesso a Informação, e a de nº 12.965/2014 - Lei do Marco Civil da Internet; buscou-se disciplinar o tratamento dos dados pessoais e sua respectiva proteção às pessoas inseridas no universo das relações virtuais, trazendo um novo desafio para tutela dos direitos de personalidade.

Graças aos benéficos resultados auferidos com a prática judicial adquirida no trato das Leis de; Acesso a Informação e a do Marco Civil da Internet, criou-se o ambiente propício para que a promulgação e execução da Lei nº 12.965/2014 – a Lei do Marco Civil da Internet, que regula o uso da internet estabelecendo o princípio da proteção da privacidade e dos dados pessoais, assegurando os direitos e garantias dos usuários com  a   inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações e inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, colocando assim, um pouco de freio nas pressões dos tratados internacionais que requeriam uma postura protetiva do governo brasileiro nas transações internacionais envolvendo o comércio com países do primeiro mundo e acalmando o internauta, usuário doméstico local, até então desprotegido e à mercê dos piratas operadores do sistema digital brasileiro.  

 

 

III – A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA E O DIREITO À PRIVACIDADE

Na balsa em que os operadores e legisladores da Jurisprudência Pátria navegam, a preservação do Direito à Intimidade e à Privacidade no mundo cibernético tem sido tratado com sua devida equidade. Do juizado local aos Tribunais, de norte a sul, do Oiapoque ao Chuí, incentivados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e demais representações do Supremo, os ilícitos, denunciados e devidamente comprovados estão sendo julgados e as sentenças destas lides vão fortalecendo os liames acerca da proteção da privacidade online, como mostram alguns exemplos destes julgamentos que este escriba considerou interessante destacar:

No Rio Grande do Sul, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, tem entendido que a divulgação de fotografias pessoais do usuário na Internet, sem a sua autorização, expondo o mesmo à situação vexatória, afronta o direito fundamental da privacidade:

 

Ementa: AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS.

RESPONSABILIDADE CIVIL. RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE ADOLESCENTE. REMESSA DE FOTOGRAFIAS VIA INTERNET COM AUTORA NUA. DIVULGAÇÃO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. EXPOSIÇÃO VEXATÓRIA. VIOLAÇÃO À IMAGEM E DA PRIVACIDADE. DANO MORAL CARACTERIZADO. MANUTENÇÃO DO VALOR. JUROS MORATÓRIOS. ATO ILÍCITO. (BRASIL. Apelação Cível n. 70062581327/RS. Relator: Jorge André Pereira Gailhard. Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível. DJ: 27/05/2015).

 

 

No Rio de Janeiro, a 23ª Câmara Cível/Consumidor, do Tribunal de Justiça, em um processo referente a divulgação de fotos íntimas na rede social, que violam os direitos fundamentais, decidiu pela condenação pecuniária do réu no valor de RS 8.000,00 reais por dano moral à vítima, impondo ainda que fosse retirado o conteúdo ofensivo do ar, conforme dispõe:

 

Ementa: AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. DIREITO DO CONSUMIDOR. CRIAÇÃO DE PERFIL FALSO COM NOME DA AUTORA EM REDE SOCIAL. DIVULGAÇÃO DE FOTOS INTIMAS QUE VIOLAM DIREITOS FUNDAMENTAIS DA AUTORA, TAIS COMO A IMAGEM E A VIDA PRIVADA. DESIDIA DA RE EM RETIRAR O CONTEUDO OFENSIVO DO AR. DANO MORAL CONFIGURADO. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATORIO PARA R$ 8.000,00 REAIS. CABIMENTO, NA HIPOTESE, DO JULGAMENTO MONOCRATICO. PROVIMENTO DO APELO DA AUTORA E DESPROVIMENTO DO APELO DA RÉ (BRASIL–APL 00595023920128190002/RJ, Relator Des. Sergio Ricardo de Arruda Fernandes, Órgão Julgador: 23º Câmara Cível/Consumidor. DJ: 07/04/2015).

 

 

Das várias sansões impostas tendo como objeto conteúdos postados no YouTube, no Recurso Especial n. 1306157/SP, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que os vídeos divulgados na rede social YouTube, os quais ofendiam à imagem da vítima, deveria ser retirado do ar no prazo de 24 horas sob multa no valor de R$ 500,00 reais por dia de descumprimento.

 

Ementa: DIREITO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER. VÍDEOS DIVULGADOS EM SITE DE COMPARTILHAMENTO (YOUTUBE). CONTRAFAÇÃO A ENVOLVER A MARCA E MATERIAL PUBLICITÁRIO DOS AUTORES. OFENSA À IMAGEM E AO NOME DAS PARTES. DEVER DE RETIRADA. INDICAÇÃO DE URLS. DESNECESSIDADE. INDIVIDUALIZAÇÃO PRECISA DO CONTEÚDO DO VÍDEO E DO NOME A ELE ATRIBUÍDO. MULTA. REFORMA.

PRAZO PARA A RETIRADA DOS VÍDEOS (24 H). MANUTENÇÃO (BRASIL- REsp n. 1306157/SP, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Órgão Julgador: Quarta Turma, DJ: 17/12/2013).

 

 

O Direito à Intimidade, à Privacidade e à Imagem, graças a Leis como; a nº 12.527/2011 – Lei de Acesso a Informação, a nº 12.965/2014 - Lei do Marco Civil da Internet, a Lei 13.709/2018 - Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil, e outras leis vigentes na jurisprudência brasileira; e a disposição das vítimas em  fazerem as denúncias cabíveis, conclui-se que, quase todos os casos que envolvem a violação do direito da privacidade nas redes sociais são tratados como danos morais, desde que os ilícitos envolvam dados ou imagens que comprometam a vida privada dos usuários.

 

 

IV - CONCLUSÃO

Pelo acima exposto, conclui-se que não se deve entender a tutela da Intimidade e Privacidade na Internet como a proteção exclusiva deste ou daquele indivíduo em particular, mas sim como uma proteção necessária a manutenção da estrutura social num todo, porque o mundo online na atualidade não é privilégio d’este ou d’aquele cidadão, mas sim de toda uma comunidade internacional, o que torna valiosa a preservação da vida privada de cada indivíduo per-si e também para a vida pública e comunitária num todo, por meio de delimitações de onde começa e onde termina o direito de cada indivíduo em relação a sua intimidade.     

Segundo Vidal, 2010, “assim, podemos afirmar que a proteção da privacidade não é proveniente do interesse individual de cada um, mas de um interesse social em protegê-la. [...] Devemos entender que o direito à privacidade, além de direito do indivíduo, é um elemento do corpo social”.

 

 

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

 

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed.  Atlas. São Paulo, 2007.

 

LGPD – Ebook SEBRAE. Disponível em: https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/PE/Anexos/LGPD-Connect-Sebrae.pdf     Acessado em: 21/04/2022.

 

PODIVM, Jus.  Lei nº. 12.527, de 18 de novembro de 2011. 5ª ed. Editora Juspovm, Salvador/Ba, 2019.

 

MACHADO, Costa. Código civil interpretado. 13. ed. São Paulo: Manolo, 2020.

 

MORAES, Alexandre de. Constituição da República Federativa do Brasil. 46ª ed. Editora Gen/Atlas, São Paulo, 2019.

 

PODIVM, Jus.  Lei nº. 12.527, de 18 de novembro de 2011. 5ª ed., Edições. Juspovm, Salvador/Ba, 2019.

 

VIDAL, Gabriel Rigoldi. Regulação do direito à privacidade na internet: o papel da arquitetura.  Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/17798>. Acessado em: 21/04/2022.



[1] - Especialista em Gestão Educacional e Empresarial - Faculdade EDUVALE/Jaciara-MT; e especialista em Gestão Pública – IFMT/MT. Bacharel em Administração – Faculdade EDUVALE/Jaciara-MT; e Discente do curso de Direito.