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quarta-feira, 28 de abril de 2021

É CERTO GOVERNADOR E PREFEITOS INTERVIREM NAS ATIVIDADES DE CUNHO RELIGIOSOS?

 

Manoel de Jesus

 

Faz tempos que Gibran[1] se perguntou; “Quem poderá separar a sua fé das suas ações, ou as suas crenças das suas ocupações?” Obviamente que nos dias atuais a pergunta formulada seria, “Como pode um Estado laico separar a fé das ações e as crenças das suas ocupações?”

Com a explosão de casos de Covid-19, a maioria dos estados e Municípios brasileiros, diante do despreparo para enfrentar a doença, optaram pela promulgação de decretos, disciplinando temporariamente as atividades religiosas nos templos e afins, na tentativa de evitar o crescimento do número de cidadãos vitimizados e frearem assim o obituário, dia após dia, cada vez mais crescente.

Nas pegadas dos outros governadores, em 31/03/2020, Mendes publicou o decreto de nº 432/2020 que fechava os templos e todo e qualquer local de culto público de conformidade com o Art. 3º, caput, inciso XI: “Em todos os municípios do Estado de Mato Grosso, independentemente de ocorrência de casos confirmados de COVID-19, ficam vedadas as atividades que provocarem aglomerações de pessoas, tais como: XI - missas, cultos e celebrações religiosas”.

Diante do eminente prejuízo político e das pressões advindas dos líderes religiosos, Mendes, preocupado em manter o bom relacionamento, em 22/04/2020 publicou outro decreto, o de número 462/2020, cujo artigo 2º, § 1º:Para realização de atividades de cunho religioso, sem prejuízo da observância, no que couber, das normas gerais previstas no artigo 2º deste Decreto, ficam recomendadas as seguintes medidas: I - disponibilização de local e produtos para higienização de mãos e calçados; II - distanciamento mínimo de 1,5m (um metro e meio) entre as pessoas; III - controle do acesso de pessoas do grupo de risco ao estabelecimento, inclusive pessoas com idade superior a 60 (sessenta) anos; IV - suspensão de qualquer contato físico entre as pessoas; V - suspensão da entrada de pessoas sem máscara de proteção facial; VI - suspensão da entrada de pessoas, quando ultrapassada em 50% (cinquenta por cento) a capacidade máxima do estabelecimento religioso”. E obviamente anulou o decreto anterior. Atualmente está em vigor a Lei número11.330/2021, que reconhece a atividade religiosa como essencial para a população. Ela foi publicada no Diário Oficial do dia 31 de março corrente.

Agora em resposta à Gibran e aos inúmeros leitores; devemos procurar entender que a ação da fé e as ocupações da crença para as práticas religiosas se divide em dois aspectos ou em duas dimensões:

1) Dimensão interna (forum internum): consiste na liberdade espiritual íntima de formar a sua crença, a sua ideologia ou a sua consciência; sobre isto Jesus já afirmara: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem” (João 4:23), e o apostolo Paulo fecha a ideia com chave de ouro: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem” (Hebreus 11:1).

2) Dimensão externa (forum externum): diz respeito mais propriamente à liberdade de confissão e à liberdade de culto. Um bom exemplo desta prática, encontramos no povo judeu que impedidos de adorarem ao seu Deus no Egito, marchou pelo deserto e durante a marcha todas as manhãs “todo o povo se levantava e cada um, à porta da sua tenda, adorava”.(Êxodo 33:10). A exemplo do pai do profeta Samuel que “de ano em ano, subia a adorar e a sacrificar ao Senhor dos Exércitos em Siló” (1 Samuel 1:3); ainda hoje os religiosos se locomovem em variadas direções para a prática do culto religioso. Um bom exemplo é o santuário de Aparecida e o templo de Salomão, em São Paulo. Na comunidade matogrossense, cada cidadão se dirige ao templo escolhido per-si para o ato de adoração.

Conforme o exposto entendemos que o aspecto interno do direito à liberdade de pensamento, consciência e religião é um direito absoluto, que não pode ser restringido, entretanto o aspecto externo, por sua vez, fica sujeito a algumas limitações, como no caso do povo judeu que precisou sair do Egito, do pai do profeta que se deslocava anualmente à Siló, em função das restrições da sua época. No caso dos prefeitos e do governo de Mato Grosso, as restrições impostas durante a pandemia encontram respaldo no art. 5º, VI, da CF/88: Art. 5º, Inciso VI: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”; ou seja, as liturgias e os locais de culto são protegidos nos termos da lei, ao mesmo tempo que derruba a ideia de que a liberdade da realização das práticas de cultos e outras manifestações religiosas coletivas seria absoluta.

Entendido esta dicotomia fica compreensível e aceitável que a conexão entre o direito e a religião cristã não significa abandonar o pressuposto de racionalidade como ponto de partida de uma ordenação propriamente jurídica. Afinal, essa é a vocação precípua e irrenunciável do direito ocidental, construído sobre o legado greco-romano tendo como base o Direito Canônico, com o qual aprendemos que a lei deve proteger os templos e não deve interferir nas liturgias, a não ser que assim o imponha alguma norma constitucional amparada pela compreensão de um bem maior, no caso em tela, a preservação da vida.

As medidas restritivas, dessa forma, resultam de análises técnicas relativas ao risco ambiental de contágio pela Covid-19 e fazem parte de um conjunto de medidas de preservação da capacidade de atendimento da rede de serviço de saúde pública. Ressalte-se também que não foram apenas as atividades religiosas que foram proibidas.

E segue a vida.

Palavras chaves: Gibran. Mendes.  Salomão. Siló.

 

Manoel de Jesus – Especialista em Gestão Educacional e Empresarial; especialista em Gestão Pública. Bacharel em Administração; e discente do curso de Direito.



[1] - Khalil-Gibran – filósofo de origem libanesa, *1883/+1931.

 


segunda-feira, 12 de abril de 2021

A VIDA NO BANCO DOS RÉUS


 

Manoel de Jesus.

 

No momento em que lido com estes prolegômenos, o Brasil acabara de registrar 4.190 mortes por Covid-19 nas últimas 24 horas. Em Mato Grosso, até esta data, o total de óbitos era de 8.403 neste período pandêmico, conforme dados do Consórcio de Veículos de Imprensa do Brasil[1].

Recebemos de Deus um dom que engloba todos os demais. Este dom é a vida — vida física, intelectual e moral. Mas a vida não se mantém por si mesma. O Criador incumbiu-nos de preservá-la, de desenvolvê-la e de aperfeiçoá-la. A vida e a liberdade não existem pelo simples fato de os homens terem feito leis. Ao contrário, foi pelo fato de a vida e a liberdade existirem antes que os homens são levados a fazer as leis.

Quanto mais procuramos entender o decretel de lockdowns e quarentenas – e a ferrenha disputa canibalista travada nos porões, casernas e suntuosos gabinetes pela tutela destes decretéis; mais se torna realidade a expressão mosaica: “E a tua vida, como em suspenso, estará diante de ti; e estremecerás de noite e de dia, e não crerás na tua própria vida”. (Livro de Deuteronômio, 28:66).

Neste revolto caudal de lágrimas e aflições, próprio deste momento ímpar, e até então desconhecido por esta geração ante a impotência em que se encontra o ser humano no seu todo, me vem a memória a celebre expressão,   “Não se pode ser feliz sozinho”, cunhada por Ernest Hemingway  em seu livro “Por quem os sinos dobram”; - um ensaio sobre a complexidade da vida humana onde Hemingway  nos adverte de que nossa felicidade se faz com relação aos outros habitantes da terra, que também não são felizes a não ser se relacionando com o universo inteiro... E como se relacionar, se a lei, mais que um lockdown moral é uma quarentena existencial?

Assim, por mais que este escriba queira, não consegue tirar de sua mente o obituário citado e muito menos entender a postura de alguns que se locupletam ante as lágrimas choradas a cada vida interrompida e me vem ao coração o sentimento de Jó: “Por que se dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ânimo?” (Jó 3:20 – Velho Testamento). Talvez a resposta esteja nas palavras; “aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”. Antoine de Saint-Exupéry.

E segue a vida.


Manoel de Jesus é; Especialista em Gestão Educacional e Empresarial, especialista em Gestão Pública. Bacharel em Administração; e discente do curso de Direito.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

REQUIEM PARA UM PAÍS EM AGONIA.

Manoel de Jesus

 

             Num país avassalado pela epidemia do Covid-19, encontramos no epicentro da crise a figura do presidente da República, condenando o isolamento social, abraçando nas ruas os seus fiéis seguidores que se opõe aos que têm medo da morte e aos que começam a passar fome porque perderam sua fonte de renda; num quase suicídio político promovido pela insensatez do ataque simultâneo à ciência e aos princípios da dignidade humana.

A postura presidencial é condenada até mesmo pelos que habitam no seu castelo de poder. No início desta semana os brasileiros foram sacudidos com a notícia de que “Os comandantes do Exército, Edson Pujol, da Marinha, Ilques Barbosa, e da Aeronáutica, Antônio Carlos Moretti Bermudez, pediram renúncia coletiva nesta terça-feira (30/3) por discordar do presidente da República, Jair Bolsonaro”. Segundo o jornal, “Essa é a primeira vez desde 1985, quando chegou ao fim a ditadura militar iniciada em 1964, que os comandantes do Exército, Aeronáutica e Marinha deixam o cargo ao mesmo tempo, sem ser em troca de governo”[1]. De bom alvitre lembrar que o presidente tem sua formação na caserna, é capitão reformado do exército brasileiro, ao qual se refere constantemente como “meu exército”. 

Profundo conhecedor da vida e dos costumes do Império Romano, atribui-se a Caio Suetônio Tranquilo (70 -140 d.C.), uma frase histórica que que se aplica perfeitamente ao Brasil de hoje: “Difícil administrar um reino onde uma parte tem medo da morte, outra tem medo da fome... e a terceira quer atear fogo ao castelo. Espero que, ao final, os que têm medo da morte e os que têm medo da fome se unam contra os que querem atear fogo ao castelo”.

A ironia é que, no Brasil, esses últimos estão emparedados dentro do próprio castelo. Muitos que leem este despretensioso artigo poderão enfiar a carapuça na cabeça, mas é certo que a fala do historiador e filosofo romano se aplica em gênero, número e grau especialmente ao Brasil.  Aliás, Caio Suetônio, apenas estava citando o que Jesus Cristo já afirmara: “Todo o reino, dividido contra si mesmo, será assolado; e a casa, dividida contra si mesma, cairá”[2].

 

Palavras chaves: Caserna. Carapuça. Covid-19. Comandantes. Reino.

 

Sobre o autor: Manoel de Jesus – Especialista em Gestão Educacional e Empresarial; especialista em Gestão Pública. Bacharel em Administração; e discente do curso de Direito.



[1] - Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mar-30/comandantes-exercito-marinha-aeronautica-pedem-demissao   Acessado em 31/03/2021 – 22:00

[2] - Novo Testamento. Evangelho de São Lucas, cap. 11, verso 17.