Manoel
de Jesus
O CONIC (Conselho Nacional
das Igrejas Cristãs no Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil), representante da Igreja Católica, a OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil) e o COFECON (Conselho Federal de Economia) publicaram na segunda
quinzena de Abril próximo passado, uma nota conjunta na qual criticaram a
reforma da Previdência proposta pelo governo e pediram que fosse feita uma
auditoria nas contas da Previdência Social. Juntas; CONIC, CNBB, OAB e COFECN
defendem que "sem números seguros e sem a compreensão clara da gestão da
Previdência torna-se impossível uma discussão objetiva e honesta" sobre a
reforma.Como era mister acontecer,
o Governo, diante do peso e influência politica/social da nota, veio
imediatamente e ocupou estrategicamente a chamada grande mídia nacional e
contra argumentou de forma veemente e contundente, o argumento usado pelas
instituições. O governo negou que a reforma da Previdência vá prejudicar a
população mais pobre. O próprio presidente Michel Temer afirmou que esse é um
argumento "mentiroso”. “Convenhamos, ninguém quer fazer mal ao país. Dizem
que essa reforma da Previdência vai pegar os pobres. Vou usar uma palavra
forte: mentira. Mentira, porque 63% do povo brasileiro ganha salário mínimo,
portanto, [a reforma] não vai atingir os pobres. Os que resistem e fazem
campanha são os mais poderosos, são aqueles que ganham mais", disse o
presidente[1].
Em que pese o papel do CONIC, da CNBB, da OAB, do COFECN e da própria Secretaria de Governo da Presidência e a contundente verborragia presidencial, a Igreja tem a obrigação e o dever de cumprir, ou procurar cumprir seu papel como representante místico/espiritual no sentido de transcender o debate sobre a previdência para além da disputa ideológico-partidária.
Essa transcendência torna-se
necessária porquanto a premissa Bíblica vetero ou neotestamentária exige
do leitor uma atitude quiçá perspicaz: É preciso colocar um pé na nossa
realidade, coisa que fazemos com facilidade e sem muita esforço, e outro na
realidade da época bíblica, o que exige uma engenharia mental um pouco mais
exigente.
Em que pese o papel do CONIC, da CNBB, da OAB, do COFECN e da própria Secretaria de Governo da Presidência e a contundente verborragia presidencial, a Igreja tem a obrigação e o dever de cumprir, ou procurar cumprir seu papel como representante místico/espiritual no sentido de transcender o debate sobre a previdência para além da disputa ideológico-partidária.
A aposentadoria, como a conhecemos, que supõe um estado social, que recolhe as
taxas e depois cuida das pessoas que não podem mais trabalhar; na época bíblica,
praticamente não existia. Antigamente os governos eram assíduos em recolher
taxas, mas o cuidado com o bem estar social era mínimo. Além disso, o sistema
de previdência é típico de uma sociedade empresarial, feita de patrões e
empregados. PREVIDENCIA, APOSENTADORIA são realidades quase ausentes no contexto
vetero ou neotestamentário. Praticamente, no contexto bíblico, a sociedade era
baseada numa cultura rural, onde cada família sobrevivia graças ao seu próprio
trabalho e cada um cuidava dos seus próprios anciãos.
Nesse contexto é importante falar sobre a
importância que as pessoas anciãs tinham na Bíblia oriundo do próprio privilégio
da idade (presbèion) porém acima de tudo, também da dignidade (Gênesis 5,14;
Êxodo 4,1). Neste contexto, cabe ao ancião (presbèion) a função jurídica. Eram
eles que se sentavam junto as portas das cidades, onde se discutiam todas as
questões da comunidade (Deuteronômio 19). Diz Provérbios que a “velhice é a
coroa dos justos” (10,27). Até mesmo Deus, em Daniel 7,9, é chamado de 'ancião'.
Entretanto não podemos omitir que a falta de
atenção do “estado” às pessoas idosas, com certeza provocava muitas
situações dramáticas, contrárias ao plano divino. As viúvas são um emblema
dessa situação. E a Bíblia orienta que elas sejam respeitadas e assistidas. Já no
livro de Deuteronômio lemos que uma parte do dízimo seja dada a elas, para que
possam viver dignamente (Dt. 26:12-13) e Isaías exige que seja defendida a sua
causa (1,17 - veja também Jeremias 22,3 e Zacarias 7,10). O mesmo acontece com
o Novo Testamento, sobretudo em Timóteo, com o apelo de Paulo a honrá-las (1Timóteo
5). O próprio Jesus, na parábola conhecida como “O bom samaritano” - Lucas
10:30 – 37, nos remete à condição de “responsáveis por aqueles sem vez, sem voz
e sem representatividade”, independente da chancela do estado.
Conforme
exposto, no contexto bíblico não existe um estado
social de direito que ampara os mais fracos, dentre os quais os anciões, as
viúvas, os órfãos, os acidentados ou vitimados por uma hecatombe qualquer. A
aposentadoria, naquela época, era uma utopia. A mensagem bíblica convoca
aqueles que abraçam a fé em Deus a suprir essa deficiência. Esse apelo, com
certeza, vale ainda hoje, pois infelizmente o estado não proporciona a
assistência que as pessoas carentes merecem, segundo o projeto de Deus.
O exegeta, ou o estudioso
sem maiores pretensões, precisa fomentar a consciência de que temos uma
doutrina social na Igreja dentro de sua multidisciplinaridade moderna que
contempla alguns vieses inexistentes na época da fundação da Igreja do Caminho,
na organização da Igreja do Império, na convenção de Niceia ou no bojo da
Igreja da Reforma. Muitos cristãos não têm consciência de toda a reflexão
social que a Igreja faz. Por isto se faz necessário conscientiza-los de que,
para ser sinal de Salvação no mundo, é preciso ser político; não
político-partidário ou defensor desta ou daquela ideologia; mas cristão/político:
defender a humanidade e seus direitos dentro da organização social e econômica
em que se vive defendendo os direitos que são próprios de todo o ser humano
conforme explicito no contexto vetero ou neotestamentário.
[1]
Sites VALOR ECONÔMICO e UOL, em São Paulo 19/04/201713h01
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/04/19/oab-e-igreja-criticam-reforma-da-previdencia-e-pedem-auditoria-no-inss.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola