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quarta-feira, 17 de maio de 2017

REFORMA DA PREVIDÊNCIA: A POSIÇÃO DA IGREJA E DOS CRISTÃOS SOB A PERSPECTIVA BÍBLICA.


Manoel de Jesus

 

 

O CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs no Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), representante da Igreja Católica, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o COFECON (Conselho Federal de Economia) publicaram na segunda quinzena de Abril próximo passado, uma nota conjunta na qual criticaram a reforma da Previdência proposta pelo governo e pediram que fosse feita uma auditoria nas contas da Previdência Social. Juntas; CONIC, CNBB, OAB e COFECN defendem que "sem números seguros e sem a compreensão clara da gestão da Previdência torna-se impossível uma discussão objetiva e honesta" sobre a reforma.Como era mister acontecer, o Governo, diante do peso e influência politica/social da nota, veio imediatamente e ocupou estrategicamente a chamada grande mídia nacional e contra argumentou de forma veemente e contundente, o argumento usado pelas instituições. O governo negou que a reforma da Previdência vá prejudicar a população mais pobre. O próprio presidente Michel Temer afirmou que esse é um argumento "mentiroso”. “Convenhamos, ninguém quer fazer mal ao país. Dizem que essa reforma da Previdência vai pegar os pobres. Vou usar uma palavra forte: mentira. Mentira, porque 63% do povo brasileiro ganha salário mínimo, portanto, [a reforma] não vai atingir os pobres. Os que resistem e fazem campanha são os mais poderosos, são aqueles que ganham mais", disse o presidente[1].
Em que pese o papel do CONIC, da CNBB, da OAB, do COFECN e da própria Secretaria de Governo da Presidência e a contundente verborragia presidencial, a Igreja tem a obrigação e o dever de cumprir, ou procurar cumprir seu papel como representante místico/espiritual no sentido de transcender o debate sobre a previdência para além da disputa ideológico-partidária.
Essa transcendência torna-se necessária porquanto a premissa  Bíblica vetero ou neotestamentária  exige do leitor uma atitude quiçá perspicaz: É preciso colocar um pé na nossa realidade, coisa que fazemos com facilidade e sem muita esforço, e outro na realidade da época bíblica, o que exige uma engenharia mental um pouco mais exigente.
A aposentadoria, como a conhecemos,  que supõe um estado social, que recolhe as taxas e depois cuida das pessoas que não podem mais trabalhar; na época bíblica, praticamente não existia. Antigamente os governos eram assíduos em recolher taxas, mas o cuidado com o bem estar social era mínimo. Além disso, o sistema de previdência é típico de uma sociedade empresarial, feita de patrões e empregados. PREVIDENCIA, APOSENTADORIA são realidades quase ausentes no contexto vetero ou neotestamentário. Praticamente, no contexto bíblico, a sociedade era baseada numa cultura rural, onde cada família sobrevivia graças ao seu próprio trabalho e cada um cuidava dos seus próprios anciãos.
Nesse contexto é importante falar sobre a importância que as pessoas anciãs tinham na Bíblia oriundo do próprio privilégio da idade (presbèion) porém acima de tudo, também da dignidade (Gênesis 5,14; Êxodo 4,1). Neste contexto, cabe ao ancião (presbèion) a função jurídica. Eram eles que se sentavam junto as portas das cidades, onde se discutiam todas as questões da comunidade (Deuteronômio 19). Diz Provérbios que a “velhice é a coroa dos justos” (10,27). Até mesmo Deus, em Daniel 7,9, é chamado de 'ancião'.
Entretanto não podemos omitir que a falta de atenção do “estado” às pessoas idosas, com certeza provocava muitas situações dramáticas, contrárias ao plano divino. As viúvas são um emblema dessa situação. E a Bíblia orienta que elas sejam respeitadas e assistidas. Já no livro de Deuteronômio lemos que uma parte do dízimo seja dada a elas, para que possam viver dignamente (Dt. 26:12-13) e Isaías exige que seja defendida a sua causa (1,17 - veja também Jeremias 22,3 e Zacarias 7,10). O mesmo acontece com o Novo Testamento, sobretudo em Timóteo, com o apelo de Paulo a honrá-las (1Timóteo 5). O próprio Jesus, na parábola conhecida como “O bom samaritano” - Lucas 10:30 – 37, nos remete à condição de “responsáveis por aqueles sem vez, sem voz e sem representatividade”, independente da chancela do estado.  
Conforme exposto, no contexto bíblico não existe um estado social de direito que ampara os mais fracos, dentre os quais os anciões, as viúvas, os órfãos, os acidentados ou vitimados por uma hecatombe qualquer. A aposentadoria, naquela época, era uma utopia. A mensagem bíblica convoca aqueles que abraçam a fé em Deus a suprir essa deficiência. Esse apelo, com certeza, vale ainda hoje, pois infelizmente o estado não proporciona a assistência que as pessoas carentes merecem, segundo o projeto de Deus.
O exegeta, ou o estudioso sem maiores pretensões, precisa fomentar a consciência de que temos uma doutrina social na Igreja dentro de sua multidisciplinaridade moderna que contempla alguns vieses inexistentes na época da fundação da Igreja do Caminho, na organização da Igreja do Império, na convenção de Niceia ou no bojo da Igreja da Reforma. Muitos cristãos não têm consciência de toda a reflexão social que a Igreja faz. Por isto se faz necessário conscientiza-los de que, para ser sinal de Salvação no mundo, é preciso ser político; não político-partidário ou defensor desta ou daquela ideologia; mas cristão/político: defender a humanidade e seus direitos dentro da organização social e econômica em que se vive defendendo os direitos que são próprios de todo o ser humano conforme explicito no contexto vetero ou neotestamentário.


*Manoel de Jesus é teólogo e administrador.


[1] Sites VALOR ECONÔMICO e UOL, em São Paulo 19/04/201713h01 https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/04/19/oab-e-igreja-criticam-reforma-da-previdencia-e-pedem-auditoria-no-inss.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola

quinta-feira, 4 de maio de 2017

REFORMA TRABALHISTA – JESUS VOTARIA COMO VOTOU A “BANCADA EVANGÉLICA”?

         A Câmara dos Deputados aprovou, na noite do dia 26 de aAbril, por 297 votos a 177, o texto principal do projeto enviado pelo governo Temer que flexibilizou a legislação trabalhista no Brasil. O texto ainda está sujeito à mudanças, devido aos 17 destaques votados aparte pelos deputados, que dependem de aprovação do Congresso e sanção do próprio presidente Temer.
    Segundo a FRENTAS - Frente Associação da Magistratura e do Ministério Público; que representa mais de 40 mil magistrados, entre juízes, promotores e procuradores, foram “criadas/ampliadas novas formas de contratos de trabalho precários, que diminuem, em muito, direitos e remuneração, permitindo, inclusive, pagamento abaixo do salário mínimo mensal, o que concorreria para o aumento dos já elevados níveis de desemprego e de rotatividade no mercado de trabalho”. Ainda segundo FRENTAS, “trata-se de um ataque que passa pela supressão de direitos materiais e processuais hoje constantes de lei (CLT) e até mesmo no que deixa de ser aplicado do Código Civil na análise da responsabilidade acidentária, optando-se pela tarifação do valor da vida humana, em vários pontos passando também pela evidente agressão à jurisprudência consolidada dos tribunais regionais e do Tribunal Superior do Trabalho”, afirmam as associações do judiciário.
O trabalho sempre teve importância fundamental na existência do homem, sob múltiplos aspectos e por várias razões. Seja como meio de subsistência e, como tal, condicionante do ser humano, seja como fator de sua realização pessoal e de sua dignidade, por isto desde tempos imemoriais constitui causa de preocupação dos responsáveis pelo destino do homem e, dessa maneira, sua referencia é encontrada  desde o Código de Hamurabi, da Mesopotâmia, bem como na Bíblia.
Procuramos, como você leitor, entender a postura da “Bancada da Fé”, ou “Bancada da Bíblia” no parlamento federal, numa votação onde 70% dos deputados evangélicos da Câmara dos Deputados – deste país onde o estado se diz laico– votou a favor da reforma trabalhista, Foram 231 votos que garantiram a reforma trabalhista, dos quais, 79 evangélicos, ou seja, a bancada da Bíblia sozinha foi responsável por quase 40% do total necessário pra se obter essa aprovação. Vale lembrar que estes deputados declaradamente “evangélicos” são ativistas nas denominações das quais são membros.
A maioria destes deputados evangélicos são professores de Filosofia ou advogados (doutores pela lei) dai peço vênia para reportamos às memorias de Platão, Aristóteles e Moisés, as quais em mister de seu ofício máster devem conhecer:

“Na Grécia, Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo. Envolvia apenas a força física. A dignidade do homem consistia em participar dos negócios da cidade por meio da palavra. Os escravos faziam o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser livres. O trabalho não tinha o significado de realização pessoal. As necessidades da vida tinham características servis, sendo que os escravos é que deveriam desempenhá-las, ficando as atividades mais nobres destinadas às outras pessoas, como a política. A ideologia do trabalho manual como atividade indigna do homem livre foi imposta pelos conquistadores dóricos (que pertenciam à aristocracia guerreira) aos aqueus. (MARTINS, 2004, p. 38).  

Moisés registrou no livro de Genesis as seguintes palavras de Deus: “E a disse a Adão: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei dizendo: Não comerás dela; maldita é a terra por tua causa; em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida. 18: Ela te produzirá espinhos e abrolhos; e comerás das ervas do campo. 19: Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás...” Genesis 3: 17 – 19. (PAULINAS, 1963, p. 22).
Posteriormente, o filósofo Immanuel Kant registrou que “O homem é o único animal que precisa de trabalhar”.  Lembrando que a palavra trabalho, citada na Bíblia e nos filósofos vem do latim “tripalium”, espécie de instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais.
Nesta esteira do “tripalium”, a nova reforma trabalhista faz com que os “Acordos coletivos prevalecem sobre a legislação”. Espinha dorsal da reforma, cria a figura dos acordos coletivos negociados entre trabalhadores e empresas, cujas decisões acordadas prevaleçam sobre as previsões da CLT. Esses acordos chegam a contemplar um total de 40 questões cruciais tais como jornadas maiores de trabalho, de até 12 horas diárias, desde que elas não somem mais de 220 horas mensais (contando as horas extras). Hoje o limite é 44 horas semanais, com no máximo 8 horas de trabalho por dia. Seria de bom aviltre lembrar que nestes acordos, via de fato, há maior  possibilidade das decisões tomadas pelo empregado de sofrer a interferência do empregador.  
Aqui também deve se permitir uma lembrança nefasta, das votações na Câmara Federal com participação ativa da maioria da “Bancada da Bíblia”, a aprovação da Lei da Terceirização, quiçá a maior beneficiaria da nova Reforma Trabalhista proposta por Temer  
 Uma vez pensado o trabalho como filosofia e doutorado, em que pese a etimologia da palavra “trabalho – tripalium”; reportaremos à algumas assertivas bíblicas e posturas históricas que jugamos condicentes com o pensamento cristão.
Com o Tratado de Versalhes (1919), em que foi positivado e criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT) as conquistas dos trabalhadores, homens comuns, foram se ampliando e ganhando jurisprudência, sobretudo em função da ética e da moral que permeiam os sentimentos humanísticos e cristãos.
Nesta esteira a convenção 29 da OIT de 1930, define o trabalho escravo “como  todo trabalho forçado ou exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. O Código Penal Brasileiro no seu Art.149 define da seguinte maneira o trabalho escravo: “Art. 149: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva... (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)”.
Em voltando à Bíblia, poderíamos citar pelo menos uns cem versículos alusivos à proteção do homem que trabalha, entre eles, Deuteronômio (cap. 24, vers. 14 e 15), onde se lê: “Não negarás a paga do indigente e do pobre, quer ele seja teu irmão, quer um estrangeiro... , mas pagar-lhe-ás no mesmo dia o preço do seu trabalho antes do sol posto, porque é pobre e com isso sustenta a sua vida; a fim de que ele não clame contra ti ao Senhor e (isto) te seja imputado a pecado”. No Novo Testamento, na Epístola de Tiago (cap. 5, vers. 4), o apóstolo adverte os maus patrões: “Eis que o salário dos trabalhadores, que ceifaram os vossos campos, o qual foi defraudado por vós, clama, e o clamor deles subiu até aos ouvidos do Senhor dos exércitos”.  No livro de Lucas é atribuída a Jesus esta afirmação: Digno é o trabalhador do seu salário.(Lucas 10:7).
Na teoria econômica do capitalismo clássico, que tem em Adam Smith seu mais destacado doutrinador, o trabalho é tido como padrão universal dos valores de troca. Em contra ponto “O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão”. Na teoria marxista, “O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens”. (MARX, 2001)
Voltando à “Bancada da Bíblia”, alguns (Jair Bolsonaro e Marcos Feliciano, entre eles) se absteram de votar (vale lembrar que abstenção é um voto que conta a favor sem que você tenha que declarar seu voto. É uma maneira de ficar em cima do muro pra não perder voto), mas foram contados como quórum para dar legalidade à sessão.
Como disse Lacordaire, “entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta”.  Graças aos sofismas e habilidades humanas vale lembrar que liberdade e lei sob a ótica do homem podem ser totalmente volúveis e mutáveis, porém o nosso Deus é IMUTÁVEL e ETERNO assim como também os são sua LIBERDADE e sua LEI.

CITAÇÕES:
-  MARTINS, S. P. Direito do Trabalho. 20 ed., São Paulo: Atlas, 2004)
- MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos.Tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2001.(A obra prima de cada autor).
- BÍBLIA SAGRADA. Edições Paulinas, 1963.16 ed., São Paulo.

Manoel de Jesus é teólogo e administrador.